Você provavelmente já está bastante familiarizado com uma das formas de remunerar o acionista que é a distribuição de dividendos. Especificamente, aqui no Brasil, os dividendos têm bastante apelo, uma vez que são isentos de tributação. É dinheiro direto na veia, ou melhor, na conta corrente.
Recompra de ações: uma alternativa menos conhecida
Entretanto, existe uma outra forma, não tão conhecida, que é a recompra de ações (buyback). É quando uma empresa compra suas próprias ações no mercado e, assim, reduz a quantidade de ações em circulação no mercado. Ela pode fazer isso de duas maneiras: (i) comprando a valores de mercado ou (ii) preço fixo ofertado aos acionistas atuais. O benefício primário da recompra de ações é a valorização das ações observada após a transação, uma vez que a quantidade de ações na bolsa diminui, logo cada ação passa a valer mais.
O motivo
Empresas recompram ações principalmente para maximizar o retorno aos acionistas. Isso é frequentemente justificado como o melhor uso do capital naquele momento. Além disso, as recompras podem ocorrer quando a administração acredita que as ações se encontram a preços muito baratos. A recompra normalmente é vista com bons olhos pelo mercado porque indica que a gestão acredita e tem confiança no negócio.
Exemplo – Acme Corp.
Imagine que a empresa fictícia Acme Corp, que possui 1 milhão de ações, projeta um resultado de R$ 2 milhões de reais este ano. Isso quer dizer que o lucro por ação (LPA) é de R$ 2,0 (R$ 2 milhões dividido por 1 milhão de ações). A Acme decide comprar 500 mil ações até o fim do ano. Ao efetuar a recompra, o lucro por ação salta de R$ 2,0 para R$ 4,0 (R$ 2 milhões dividido por 500 mil ações). Como resultado, cada ação passa a custar o dobro do que custava antes. Percebe como foi gerado valor aos acionistas neste caso?
A Acme Corp poderia ter optado por distribuir dividendos, mas neste exemplo, a gestão acredita no negócio e entende que o preço da ação está barato, e a recompra tende a trazer maiores benefícios aos acionistas.
Estudo de caso: Apple (não é recomendação de compra)
A Apple é uma empresa que dispensa apresentações. Fundada em 1977, teve o seu IPO em 1983 sendo listada na Nasdaq e suas ações participam do índice S&P500.
Resumidamente, ela se dedica produzir e comercializar uma ampla variedade de dispositivos eletrônicos de consumo, incluindo smartphones (iPhone), tablets (iPad), PCs (Mac), smartwatches (Apple Watch), AirPods, entre outros.
A sólida performance econômico-financeira da Apple pode ser visualizada no gráfico abaixo:
Nos Estados Unidos, os dividendos são tributados. Logo, a remuneração via recompra se torna mais comum visto a eficiência fiscal que este tipo de operação gera para o acionista (por sinal, uma realidade que se aproxima do cenário brasileiro uma vez que a tributação de dividendos não é uma questão de “se”, mas uma questão de “quando”, tornando fundamental entender como se dá a geração de valor via recompras de ações).
O gráfico abaixo apresenta a quantidade de ações em circulação da Apple (free float), com recorte a partir de 2013, que é quando a companhia acelera a atividade de recompras:
De um free float de 26,09 bilhões, na época, para os atuais 15,5 bilhões em setembro de 2023 (últimos dados reportados), a empresa recomprou 10,74 bilhões, reduzindo em 39% as ações em circulação ao longo de 10 anos de recompras.
Analisemos sobre a perspectiva de quanto a Apple investiu nesses programas ao longo do tempo. Nos últimos dez anos, a Apple já investiu mais de 600 bilhões de dólares em programas de recompra.
E você deve estar se perguntando, qual o efeito disso? Uma imagem é melhor do que mil palavras:
O gráfico acima representa a evolução do preço da ação nos últimos dez anos. De aproximadamente US$ 19 em 2013, encontra-se negociada atualmente a US$ 191. Uma notável valorização de 862%, equivalente a 25% ao ano.
Isso se deu devido à melhora da empresa em termos de performance financeira (aumento do lucro) e à redução das ações em circulação. Se (e aqui um grande “SE”), a empresa mantiver essa performance aliada ao programa de recompra, em 2038 a valorização do papel poderia chegar a incríveis 26.369%.
Por último, e não menos importante, o gráfico da evolução do lucro por ação da Apple no período analisado:
Entre 2013 e 2023 o lucro por ação saiu de US$ 1,42 para US$ 6,13. Um crescimento de 332%. Já o lucro da empresa saiu de US$ 37 bilhões para US$ 97 bilhões (acumulado do ano até setembro de 2023), uma variação de 162%.
Se o lucro subiu 162% e o lucro por ação cresceu 332%, o que está acontecendo? É arte do Capiroto com o Mr. M? Claro que não. Na verdade, se trata do efeito da recompra de ações. Veja o cálculo abaixo:
O entendimento é simples. Lucro subindo, aliado a quantidade decrescente de ações, resulta em uma disparada no lucro por ação. Esse é o benefício da recompra de ações.
Outro ponto que talvez você ainda não tenha se dado conta é que, com menos ações listadas, menos sócios para compartilhar o lucro, logo os dividendos a receber também aumentam. É benefício atrás de benefício.
Cases brasileiros: Vale e CSU Digital
Aqui no Brasil, uma empresa que tem recomprado de forma recorrente e bastante acelerada é a Vale. Veja o programa de recompra da mineradora na figura abaixo:
Fonte: RI Vale
Outra empresa que andou realizando recompras foi a CSU Digital. Entre 2021 e 2023 ela reduziu o free float de 44,2% para 35,74%.
Concluindo…
A remuneração de acionistas por meio da distribuição de dividendos é uma prática conhecida, mas a recompra de ações é uma estratégia menos conhecida no Brasil, porém eficaz.
Empresas como a Apple demonstram como essa abordagem pode gerar valor expressivo aos acionistas ao longo do tempo. Nos EUA é a forma principal de remuneração principal, visto que gera eficiência fiscal (lá os dividendos são tributados).
No cenário brasileiro, a iminência da tributação de dividendos, aliada à extinção dos juros sobre capital próprio, pode tornar a recompra de ações uma alternativa mais atrativa, exigindo dos gestores uma revisão nas estratégias de remuneração e alocação de capital. A prática, exemplificada por empresas como a Vale e CSU Digital, pode ganhar destaque diante das mudanças iminentes, oferecendo uma solução viável para maximizar o retorno aos acionistas.
(Apesar de estar apto a realizar recomendações de valores mobiliários, este não é o objetivo deste texto. Todas as ações mencionadas neste artigo são utilizadas com propósito educacional, não havendo nenhuma recomendação direta, indireta ou intencional de compra ou venda de papéis)
Resumo / Principais conclusões
• A recompra de ações é uma estratégia em que uma empresa adquire suas próprias ações no mercado, diminuindo a quantidade disponível.
• Motivação: isso pode ocorrer quando a empresa acredita que suas ações estão subvalorizadas, buscando maximizar o retorno aos acionistas e oferecer flexibilidade na gestão de capital.
• A recompra de ações é parte de uma estratégia de criação de valor a longo prazo para os acionistas.
• Principal forma de remuneração nos EUA devido a eficiência fiscal, no Brasil não é tão utilizada devido à distribuição de dividendos que é isenta de IR.
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