No início do mês, o Bradesco divulgou o tão aguardado resultado do 4º trimestre de 2023 (4T23). Existe muita expectativa sobre se o banco está conseguindo endereçar os seus problemas e também com que velocidade ele está endereçando essa tormenta. A julgar pela reação do mercado, não agradou. Confira a cotação desde o anúncio em 07/02:
Frequentemente recebo mensagens do tipo “Bradesco caiu, vou comprar”. Neste momento diria para ter calma. O banco passa por um momento delicado, fato, mas simplesmente comprar porque caiu sem entender onde está pisando pode ser um verdadeiro tiro no pé.
No artigo de hoje eu vou tentar resumir o momento do Bradesco, explicando melhor a história que cerca o caso e o que esperar daqui pra frente, utilizando os números reportados para complementar o contexto.
É importante voltar no tempo para entender o que ocorre com o banco.
O Bradesco cometeu um erro na pandemia ao oferecer crédito a um público com dificuldades de pagamento. Erros no crédito, na magnitude que o banco errou, levam tempo para serem corrigidos e uma recuperação entre dois a três anos é o tempo necessário para correção.
Além disso, a lentidão na recuperação contribui para a incerteza do mercado, dividido entre teses de compra e venda, questionando a capacidade de recuperação do Bradesco.
Resultado 4T23
No 4T23, o Bradesco enfrentou desafios com resultados abaixo das expectativas. A margem financeira caiu 3,3%, refletindo esforços para corrigir a situação financeira, incluindo concessão de empréstimos a clientes de menor risco. Isso fez com que o spread médio do banco caísse de 9,8% para 8,8%. Lembre-se: bons pagadores significam menores spreads.
A carteira de crédito teve uma contração de 1,6%, mas 97% dos novos créditos foram direcionados a clientes de menor risco. Veja, uma das características de um banco é justamente conceder crédito. A diminuição da carteira de crédito é um forte sinal do problema que o Bradesco está atravessando. O contrapeso dessa situação é que a instituição está concedendo crédito para um perfil considerado mais saudável (AA e C) em um esforço de corrigir erros de gestões passadas.
A provisão para devedores duvidosos (PDD) aumentou, refletindo preocupações contínuas com possíveis calotes. Em comparação com o 3T23 a PDD aumentou R$ 1.3bilhões, alcançando a marca de R$ 10.5 bilhões no 4T23.
Embora a inadimplência tenha diminuído, ainda está elevada. O desafio é alcançar uma redução mais significativa, no patamar abaixo de 4% para parar de destruir o valor do acionista.
No 4T23, as receitas de prestação de serviços do Bradesco tiveram desempenho abaixo do ideal, encolhendo (2,4%) em comparação com o mesmo período do ano anterior. A linha de cartões, que registrou uma queda de 0,4%. A restrição de crédito contribuiu para a dificuldade do banco em expandir a receita com cartões, uma fonte relevante de ganhos. A receita com contas corrente também diminuiu significativamente (13%) devido à tendência do mercado de reduzir as taxas para manter a fidelidade dos clientes, afetando, desta maneira, a receita do Banco. A linha de fundos foi um ponto positivo, crescendo quase 7%. Abaixo o resumo das receitas de serviços retirada da apresentação de resultado do banco:
Somando todos os elementos do resultado, o Banco apresentou um lucro líquido 80% superior ao mesmo período do ano anterior, registrando R$ 2.8 bilhões. Entretanto, este aumento se deve a o fator Americanas ocorrido em 2022 – logo se trata de um lucro não recorrente. Em 2023 o lucro líquido fechou em R$ 16 bilhões versus R$ 21 bilhões em 2022, uma queda de 21% no comparativo anual.
O ROAE do Banco se encontra atualmente em 10%, patamar muito baixo considerando o histórico, que antes entregava próximo de 20%. Isto é um indicativo de que o banco está enfrentando desafios. O que o investidor (atual ou futuro) deve ficar atento é que caso o banco se acomode neste patamar de ROAE o valuation será castigado ainda mais.
Em resumo, foi mais um ano ruim para o Bradesco, com o banco não atingindo as metas mínimas do guidance. Esses números, fatos e histórias são realizados, conhecidos e já fazem parte do passado. Um valor de um ativo está sempre do presente para o futuro. Vamos ao que o futuro pode reservar neste caso.
Plano de reestruturação
O Bradesco possui um corpo diretivo inchado, com cerca de 100 membros com custo anual aproximado de R$ 800 milhões. Para efeito de comparação, o Itaú possui cerca de 40 membros que custam aproximadamente R$ 500 milhões.
Em texto retirado diretamente da apresentação de resultados da instituição, é reconhecido que a “Estrutura organizacional do Bradesco é complexa, com excesso de layers e span desbalanceado, o que aumenta o tempo da tomada de decisão e dificulta orientação ao cliente”.
O Banco percebeu o tamanho da ineficiência e lentidão operacional, fora o custo já mencionado que isso traz. Para atacar o problema, contratou a consultoria MacKinsey para a reestruturação do seu corpo hierárquico, e isso é positivo porque o banco trabalha não apenas com inteligência interna, mas traz inteligência externa.
Extrapolando o tema da reestruturação, Itaú e Bradesco possuem bancos de dados que são verdadeiras minas de ouro, coisa de mais de 80 anos e isso é um ativo que precisa ser trabalhado. A entrada da consultoria tem também como objetivo desenvolver tecnologia para explorar essa mina de ouro e destravar valor para a empresa.
O que esperar daqui pra frente
O Bradesco enfrenta um momento crítico, e cada resultado trimestral de 2024 será importante para avaliar a eficácia de seu plano de transição prometido. Os investidores enfrentam a decisão de manter as ações, confiando na recuperação do banco até 2025/2026, ou retirá-las, antecipando destruição de capital e falha no plano de transição. A gestão inadequada no passado resultou em problemas, sendo a inadimplência o principal desafio.
Apesar do desempenho abaixo das expectativas em 2023, o Bradesco ainda assim lucrou R$ 16 bilhões, sem apresentar nenhum problema de liquidez ou mesmo de falência. Se o Bradesco conseguir consertar e endereçar os seus problemas, muito provavelmente estaremos diante de uma barganha. Por outro lado, se o banco não conseguir por em prática a reestruturação e endereçar os seus problemas, a destruição de valor do acionista vai continuar a passos largos. Não existe um único caminho ou fórmula prefeita, e a escolha dependerá da análise individual de cada investidor.
Resumo
• Declínio de margem financeira e contração da carteira de crédito
• Queda nas receitas de prestação de serviços, especialmente em cartões e contas correntes
• Queda de lucro líquido em 21% em 2023
• Necessidade de reduzir inadimplência para preservar valor do acionista
• ROAE de 10%, indicando desafios enfrentados pelo banco
• Corpo diretivo inchado com custo anual elevado
• Consultoria MacKinsey contratada para reestruturar hierarquia
• Essencial acompanhar resultados de 2024 para avaliar a eficácia do plano de transição
(Todas as ações mencionadas neste artigo são utilizadas com propósito educacional, não havendo nenhuma recomendação direta, indireta ou intencional de compra ou venda de papéis)
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